sábado, 2 de janeiro de 2010

Tripstreaming



29/12
Quando comecei a planejar minha viagem de fim de ano, prometi a mim mesmo que, tanto quanto fosse possível, aproveitaria o percurso para blogar minhas impressões e experiências. Pretendia ter começado ontem, com um post sobre a preparação da viagem, mas tive vários contratempos que atrasaram tudo. Além do mais, esse clima de final de ano, confraternizações e festas não me fez bem na última semana. Passei alguns dias chateado, lembrando de momentos importantes que aconteceram nos últimos anos, nessa época, e tentei evitar remoer histórias e saudades. Também, ninguém merece ler um texto chato sobre lembranças que só dizem respeito a duas pessoas.

Quase desisti da viagem ontem à noite, quando vi a previsão do tempo que prometia dias de chuva no litoral. Hoje, quando acordei cedo e vi o tempo fechado, novamente repensei meu percurso e minhas expectativas, mas a certeza de que deveria fazer a viagem, como uma espécie de "portal" para novas histórias, falou mais alto.

Saí de Sorocaba às 6h, num ônibus com destino a Santos. O tempo fechado acompanhou todo o trajeto, que percorri roncando. Chegando à rodoviária, pesquisei o melhor caminho para chegar à balsa que leva ao Guarujá. Corriqueiramente, me perdi na cidade (o perto dos moradores nem sempre é o nosso perto), pedi informações, me irritei com o trânsito - incrivelmente mais travado que o sorocabano - e consegui chegar na ciclovia da orla.

A visão do mar sempre nos recompõe (pelo menos pra mim, não é assim contigo?) e tomei o rumo da balsa, que rapidamente encontrei. Antes de continuar, um aposto: a ciclovia de Santos é muito bem organizada. Sem comparações com a sorocabana, é dotada de toda sinalização e fiscalização necessárias ao seu bom funcionamento.

Tomei a balsa rápida e gratuitamente e, chegando no Guarujá, sem a menor noção do caminho, segui "reto toda vida". O trânsito estava bastante travado e, mesmo com uma faixa exclusiva para bicicletas, poucos motoristas respeitavam o nosso percurso. Devo atentar aqui, também, para a minha dificuldade em guiar a bicicleta com tanto peso. Tinha a impressão de dirigir um caminhão: quando embalava, seguia rapidamente, mas quando precisava frear bruscamente, não encontrava uma resposta ágil e eficiente.

Entre essas dificuldades, encontrei meu caminho e segui na direção da balsa - agora, a que leva a Bertioga. Num posto, perguntei sobre a distância e me informaram 30km. Como em Santos, deveria acompanhar a orla para chegar a ela (balsa). Assim que cheguei à praia, encontrei um povo muito mais bonito, pedalando, correndo e praticando esportes logo cedo (ainda eram 10 da manhã; levei pouco mais de 40 minutos entre a rodoviária de Santos e a praia da Enseada no Guarujá).

Ao chegar à praia, agradeci à minha determinação em viajar. O tempo abriu e um sol forte iluminava toda a orla da Enseada, prometendo ótimas perspectivas. Cruzei um rapaz sem braço e pensei "Tubarões". Procurei um quiosque onde pudesse comer alguma coisa, mas a maioria abre somente às 11h. Encontrei um que timidamente atendia aos banhistas e lá descansei por quase 1 hora. Besuntei-me (nossa, cadê meu dicionário de sinônimos?) de protetor e segui viagem.

Inesperadamente, a balsa não fica no fim da praia, como em Santos. Peguei a rodovia Guarujá-Bertioga e segui por mais de 20km. A estrada me lembrou muito a SP-79, que chega ao litoral sul: muito arborizada, cheia de pontos de sombra e descanso e sem acostamento. Minha sorte foi o movimento bem fraco de carros, então pude trafegar normalmente pela rodovia, sem sobressaltos. No meio do caminho, cruzei, em um boteco de beira de estrada, um grupo grande de ciclistas que vinham da Riviera de São Lourenço. Me refresquei na bica do local e me informei sobre a distância até a balsa e a existência de campings na região. Eu poderia chegar a Bertioga e procurar algum ou parar na Prainha Branca.

Coincidentemente, há quase 2 anos, quando fui pela primeira vez à Riviera, uma amiga me indicou esta praia como um ótimo destino. Com acesso fechado a carros e motos, só se chega à Prainha por uma trilha ou por barcos. Segui meu caminho na dúvida sobre o que escolher e, assim que cheguei à balsa, uma ambulante indicou a Prainha como um destino mais divertido.

A essa hora, já tinha rodado pouco mais de 50km. Começava a bater um cansaço, mas queria seguir viagem. Tomei a trilha para a Prainha e juro que os primeiros metros quase me fizeram desistir. Íngreme, mesmo coberta de pedras e com escadas, a trilha é cansativa para quem carrega uma bicicleta lotada de suprimentos (cerca de 30kg a mais que o normal). Segui pela trilha por cerca de 20 minutos e encontrei uma praia paradisíaca. Pouco habitada, com areias bem fofas e ondas fortíssimas, a Prainha Branca é perfeita para a prática do surfe.

Procurei um local onde pernoitar e, na pousada Raio de Sol, pude me assentar em um quarto, ao invés da precisar armar minha barraca. Por R$50,00, acomodações simples, camas arrumadas, um ventilador e nenhuma TV. Nem sinal de celular. Ao meu redor, muitas barracas e animação entre os visitantes, que preparam um churrasco. Desarmei a bicicleta, tomei um banho (em banheiro coletivo) e me acomodei no quarto para descansar as pernas da viagem. Dormi das 14:30h às 17h e fui pra praia.

O mar estava ainda muito bravo, então procurei uma mesa no "Larica's Point" (é bem isso que você está pensando: hippies, pés sujos e toda a fauna que curte reggae). Apesar da alta temporada, o restaurante tem preços bem honestos, com lanches entre R$3 e R$9, porções entre R$8 e R$25 e Skol garrafa a R$4. Pedi umas cervejas e um "X-Larica", que é servido no prato. Caso você venha um dia para cá, não repita meu erro e peça uma porção ou um PF. O lanche vem em 2 pratos: num, os ingredientes; no outro, os pães. E você mesmo monta, na mesa. :S (Update: acho que isso é comum no litoral, pois no dia seguinte vi o mesmo expediente em outra praia)

Fiquei chapado só com a marola da mesa ao lado, que fumava um charuto de responsa (!!). Apesar disso, tem bem o clima da Praia Azul, daquela novela antiga, sem Rodrigo Hilbert e Paulo Vilhena. Em compensação, para os homens é ótima: meninas muito bonitas e solícitas, várias carregando mochilões e barracas, prontas para armá-las (puta merda, que trocadilho infame). Mesmo com tantas meninas, a bunda mais bonita da praia era de uma garota que perambulava pela areia, como a aguardar alguém. Ninguém se aproximava, o tempo passava e ela continuava indo e vindo pela praia. Então atinei que ela talvez estivesse aguardando um cliente, alguém que lhe questionasse o preço dos serviços. Até a hora em que fui embora ela continuava esperando, desolada. Mas sua estratégia era muito tímida; justo num lugar que não tem esquinas. Ou pode ser tudo viagem minha, mas é bem mais divertido inventar histórias sobre as pessoas.

Enquanto curtia a praia, me divertia com a inexistência de sorocabanos aqui, essa raça que se encontra em todo lugar (no carnaval de 2008, na Riviera, caminhava pela praia quando encontrei a Ester do Arara, que curtia o fim de tarde de bicicleta). Mas pouco antes de voltar pra pousada, vi ao longe o Caruso, figurinha da noite sorocabana.

Agora, me preparo para dormir cedo, com os pés picados por borrachudos e um calor infernal. Só devo publicar este post amanhã, quando chegar à Riviera e encontrar wi-fi disponível. Pretendo chegar a Ubatuba em alguns dias, mas se encontrar uma nova praia como essa, não garanto que chegue.

UPDATE
Deitei por volta das 22h e tentei dormir. Passada cerca de meia hora, ouço barulhos estranhos no quarto. Quando acendi a luz, tinha uma barata na parede, ao lado da minha cama. Matei-a, chequei se não tinha outra por ali, fechei minhas malas e tornei a deitar, agora com as luzes acesas. Demorei a dormir, revirava na cama com o calor absurdo e quando já conseguia, enfim, pregar os olhos, ouvi barulhos novamente. Era uma nova barata, que agora me ignorava e se ocupava de chupar a cabeça da colega morta. Mais uma chinelada e dormi pensando em como deve ser triste resistir a bombas atômicas e sucumbir a um golpe certeiro de Havaianas.


30/12
Acordei às 6h, tomei um banho e meus suplementos, montei o alforge, levei um dedo de prosa com o dono da pousada e segui na trilha rumo à balsa de Bertioga. Se um dia você resolver ir à Prainha Branca, seja mais esperto que eu e leve poucas sacolas, nas mãos. Não carregue uma bicicleta pesada morro acima.

Cheguei à balsa completamente suado da caminhada de 20 minutos. Embarquei e pouco antes das 8h já estava em Bertioga. Tinha como meta chegar à Riviera pela praia, mas não foi possível pois a estrutura da cidade, na orla, deixa muito a desejar. Senti estar em Peruíbe ou Mongaguá, conforme me lembrava dessas cidades há uns 15 anos. Ruas de paralelepípedos soltos, trechos de areia em pleno centro, vielas que não levam à praia. E de repente cheguei à colônia do SESC, muito antes do que imaginava. Questionei algumas pessoas sobre o melhor caminho e todos me sugeriram seguir pela rodovia, pois a praia seria refúgio de bandidos (!!!).

Entrei na Rio-Santos pela primeira vez de bicicleta. Ao contrário do que imaginava, o trânsito estava bastante calmo e pude trafegar sem sobressaltos, curtindo música no iPod, com tempo bem aberto e sol ameno. Às 9h cheguei à Riviera, após pedalar por 25km desde o desembarque da balsa.

Na Riviera, aproveitei para circular por caminhos que não conhecia, baixei o ritmo das pedaladas e curti o visual do distrito, praticamente uma cidade independente pela estrutura que oferece aos moradores e visitantes.

Fiquei até às 11h, quando vi nuvens de chuva se aproximando e me surpreendi de ter rodado mais de 20km por lá. Me indicaram que em São Lourenço ou Boraceia encontraria campings ou pousadas onde poderia pernoitar. Resolvi encarar a estrada até Boraceia e quase me arrependi no meio do caminho. Eu não tinha me alimentado direito, estava só à base de creatina, termogênicos, maltodextrina e muita água. O cansaço me pegou, parei por alguns minutos, me reidratei e segui pela estrada. Cheguei a Boraceia me sentindo bem; vi uma praia animada e muitos campings de frente para o mar.

Entretanto, procurei uma pousada, para descansar com mais conforto. Encontrei uma casa que está sendo alugada por um preço bem baixo (50,00), pois será demolida ao fim da temporada para a construção de chalés. Claro que tem inconvenientes, como a quantidade absurda de pernilongos e um certo rumor de insegurança.

Tomei um banho e saí para comer alguma coisa. Então, descobri que a praia ainda pertence ao perímetro de Bertioga e, como tal, carece de infraestrutura básica. Saí da Praia Azul, dos surfistas, passei pelo cenário de novela do Manoel Carlos - quase um Leblon - e acabei no Mangue Seco. Um povo feio e farofeiro circula pela praia, muito diferente da Riviera. Eu, que imaginava não encontrar esse tipo de coisa no litoral norte, me surpreendi. Tudo bem que levei pra praia meu bronzeado perfeito: perfeitamente marcado com os pés brancos e a perna escura, de pedalar debaixo de um sol animal. Lindo de se ver!! Nadando, ouvi pérolas como a do casal de obesos jovens: o moço carregava a namorada chamando-a como "Aê, minha baleia, minha coquinha de 3 litros!". Também tive o desprazer de encarar um sujeito que se divertia jogando uma bola pela água e pedindo aos outros que resgatassem "Wilson". Provavelmente viu Náufrago ontem. Amanhã já terá esquecido.

Mas claro que também ouvi pérolas na Riviera. Um casal discutia, em meio à caminhada na praia. Ela: Era pra você comprar comida!! Comida é sobrevivência! Não uma raquete!! Ele: Comida é passageiro, acaba. Raquete é permanente.

Acabei de jantar num restaurante com preços de temporada. Questionei a existência de wi-fi, mas a garçonete me disse que nunca viu isso em Boraceia, "Esse fim de mundo que só funciona na temporada". Pedi uma nota fiscal com meu CPF e "Nossa, não sabia que CPF tinha tanto número" (sic).

Vou me deitar daqui a pouco. Para evitar os pernilongos, achei mais sensato (pasmem!) armar a barraca na varanda da casa ao invés de dormir nas camas disponíveis. Além de ter mosquiteiro na barraca, não me deito sobre um colchão que ignoro a última lavada. Melhor excêntrico que sarnento.


31/12
Dormi muito mal nesta casa. Como a segurança não é um item de série, passei a noite toda preocupado com a possibilidade de alguém entrar e levar bike, grana e tudo mais. Acordei cedo, arumei minhas coisas, tomei meus suplementos e segui viagem rumo a São Sebastião, onde pretendia passar a virada do ano.

Desde Sorocaba a bicicleta estava com um probleminha na transmissão, que não foi resolvido pela minha loja "de confiança". Deixei-a lá alguns dias, atrasei minha descida e mesmo assim não resolveram. Achei que daria para seguir o caminho todo, mas "Aí, sim. Fomos surpreendidos novamente".

Rodei por quase 50km e chegava a Maresias por volta das 9h, com as marchas pesadas cada vez mais difíceis de engatar. Em um trecho da viagem, que dependia de velocidade, joguei na última catraca e a corrente ficou presa, não corria nem para frente nem pra trás, quase me fazendo cair. A partir deste ponto só consegui rodar a bicicleta nas marchas leves, desenvolvendo pouca velocidade e com a sensação de "girar em falso". Com o peso todo dos alforges e mochila, a estabilidade ficou comprometida e achei mais seguro abortar a viagem. Não valia a pena correr o risco de ficar parado no meio da rodovia. Me informei sobre os horários de ônibus e aguardei-o na estrada, em Maresias.

Na volta, revi os cenários da estrada e revivi sensações da viagem. Mesmo não tendo chegado ao meu destino, fiquei muito feliz de rodar quase 200km em 3 dias, podendo curtir as paisagens e conhecer melhor cada detalhe que passa despercebido quando estamos num carro, em alta velocidade. Me surpreendo toda vez que checo, pelo Google Earth, a distância toda que rodei e as diferentes paisagens que cruzei. No ônibus, pude confirmar que fiz a melhor escolha ao optar por rodar pelas praias tanto quanto possível. O trecho de rodovia entre Santos e Guarujá é longo e muito movimentado. Seguindo pela orla e atravessando as cidades por balsas, além de rodar com tranquilidade, não senti a distância percorrida.

Cheguei em Santos por volta de 12:30h, marquei minha passagem e aguardei o ônibus assistindo à intensa movimentação da rodoviária de Santos no último dia do ano. Conforme os ônibus chegavam, dava para ter ideia do quão lotado estava o caminho para o litoral. Viagens de 3 horas virando 8, 12 virando 20 e pessoas desembarcando não cansadas, mas completamente destruídas. Olheiras, barbas por fazer, cabelos desalinhados e roupas amarrotadas eram cenas recorrentes. Me divertia assistindo a esse circo de horrores, enquanto o ônibus se atrasava.

Depois de 3,5 horas aguardando, finalmente iria embarcar. Aí, quando pedi para guardar a bicicleta no bagageiro, resolveram encrencar comigo. De uma hora pra outra, a mesma empresa que me levou resolveu que eu não poderia subir a serra com a bicicleta. Irritado com o atraso, armei o meu barraco e exigi o embarque. Não existiam motivos para me barrarem, principalmente porque no momento da compra das passagens comuniquei a minha intenção de carregar a bicicleta e nenhuma ressalva foi feita. Mas é aquela velha história: na hora de receberem seu dinheiro, tudo é perfeito. Da mesma maneira, foi assim quando levei a bicicleta para ajustes e revisões. Estão preocupados apenas com o seu dinheiro, nunca em te entregar um serviço bem feito. Ninguém se responsabiliza, ninguém te atende corretamente e o que deveria ser uma viagem de descanso e curtição vira um transtorno.

Pelo menos aproveitei como esperava os poucos dias de viagem.


02/01
Demorei com este post pois queria algo mais completo que a publicação direta pelo iPod permite. Hoje, vejo que fui muito sensato ao abortar a viagem em Maresias. No caminho de volta, pegamos chuva em boa parte da estrada e essa chuva continua caindo na região. Para quem pretendia chegar a Ubatuba (quiçá Paraty), enfrentar de bicicleta quedas de barreiras, estradas interditadas e nervosismo dos motoristas não seria um início de ano legal. Ainda estou assustado com o que aconteceu em Ilha Grande, sobretudo porque considerei a possibilidade de ir pra lá ao invés de fazer o percurso todo de bicicleta em São Paulo.

Tive a sorte de pegar os 3 breves dias de sol na região. Só foi uma pena não fotografar tanto. Pela praticidade, levei só uma câmera de celular e a qualidade das imagens deixa muito a desejar.

Para este ano, uma das metas é viajar sempre que possível. Curti demais a experiência e, como o maior investimento em equipamentos foi feito agora, posso me dar ao luxo de depender ainda menos de grana. Ou gastar em acomodações confortáveis.

Rodando 2 ou 3 horas logo pela manhã, dá pra vencer até 100km/dia sem grandes cansaços, podendo curtir a tarde e a noite para fazer turismo puro. Como disse uma amiga no último dia de trabalho em 2009, o melhor investimento que podemos fazer é em viajar e viver novas experiências. E só precisa de planejamento. De preferência, mais do que eu tive nesta viagem.

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